11/12/06

carta de inverno




até onde posso ir. meu amor. neste deserto frio. em que me deixaste. a soluçar. para o branco chumbo das nuvens? a chuva parou. logo após a tua despedida. e nem houve tempo. para eu aprovisionar. um cântaro de água dos teus olhos. a súbita carga. de sol. que se abateu. sobre os meus braços. impediu também que deslocasse. para a sombra. o vapor de água. que se avolumou. nas paredes. à medida. que os nossos lábios. iam enrolando. no escuro. suaves teias. consolado. pelo teu ameno. encolher de ombros. não me atrevi. a procurar-te. nem a registar. o número de polícia da tua porta. tínhamos combinado. vagamente. trocar cartas. sem endereço. nem remetente. confiávamos no apurado olfacto. do carteiro. e chegamos a imaginar. lembras-te meu amor?. um modo pouco ortodoxo. de nos correspondermos. envelopes brancos. selados com duas três sementes de gardénias. o carteiro. dizias tu. há-de encontrar a morada. pelo cheiro. mas. tudo isto foi pensado. antes do teu inesperado. desaparecimento. nesta altura. estarás refugiada. num condominio fechado. com piscina aquecida. ou. quem sabe? numa dessas casas rústicas. a rebolar gemidos. enquanto os pássaros aninham. eu. aqui. continuo à janela. assistindo. incrédulo. ao vai e vem rotineiro. de asseados automóveis. queimando combustível. em passeios tristes. desculpa-me. meu amor. sei que estou a violar. um compromisso sagrado. mas esta carta. leva destinatário. o sol de inverno. já anda por aí a mendigar neve. pelos montes. e antes que tudo se torne indistinto. no horizonte. peço-te que me envies uma lágrima. em carta registada. pode te parecer. uma extravagância. mas não. é apenas uma declaração de saudade. que depositarei. no cimo do monte. com um brinco de pérola. dos teus olhos.






(fotografia de augusto peixoto)

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