14/11/06

rapto





moro aqui. no arco sombrio. da submissa página. monólogo arrastado. palavras exangues. fontes caladas. moro aqui. nesta fortaleza arruinada. olhos encastrados. entre o zumbido das vespas. e muitas cartas sem resposta. moro aqui. meu amor. nesta trincheira branca. fria. distante. imaginando. como podes tu. transpor o muro alto dos vocábulos. se já não existe. a janela. por onde tantas vezes. as tuas lágrimas escorriam. pedindo mais que um poema. moro aqui. emboscado. tentando salvar. uns remendos de saudade. às escuras. as mãos cansam. os olhos pesam. os joelhos vacilam. e mesmo. que eu quizesse gritar. tu já não me podes. acudir. as portas estão soldadas. brecha nenhuma. permitirá um beijo clandestino. um rosto anónimo. uma carícia expatriada. não me leias. meu amor. espera-me. na paragem do autocarro e rapta-me.


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(quadro de salvador dali)