15/10/06

amor sem esperança



em nenhum livro encontrou o caminho. da felicidade plena. nenhum leitor é verdadeiramente feliz. insiste. a felicidade que avistamos nos livros. é uma redoma que embarca no porão reservado. em mercadoria assinalada a maiúsculas: FRÁGIL. degrau de vidro. que estala ao segundo pôr do sol. todo o escritor inventa uma verdade. convencido que nos concede uns capítulos de plenitude. à nossa existência acantonada. agora sabe. que só vivendo. em estado de infelicidade. pode desenterrar um pedaço de insensatez. uma lágrima menos infeliz. mas nem toda a leitura. é um atalho de impossibilidade. lembra-se de um autor húngaro. que num romance sombrio. escreveu: "só o amor sem esperança não tem fim". aquela frase sim. era a sua vida. de longe. o cabelo avulso. escorria pelos ombros. como um Porto derramado. seus olhos baços queriam dizer: haja o que houver. esta confortável facilidade. em que me movimento. faz-me mal. quero-te. tanto. disse. que não há perigo algum. capaz de arrefecer o desejo. desde aí. não mais desistiu. de se perder. por estradas secundárias. fugir. pela porta traseira da rotina. ir até a morte. se for preciso . "por um amor sem esperança.". sem nunca se resignar a baixas temperaturas. num amor sem esperança. há uma segunda vida. em transe clandestino. perde-se a medida do tempo. nunca é só o agora. e pronto. onde estão as pantufas? é também o depois. o antes. o amanhã. o ontem. o ano passado. a semana que vem. acomodação? só no amor com esperança.

*

(fotografia de fernando figueiredo)

3 comentários:

Anónimo disse...

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
á palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

(Não faz falta dizer-te o autor)

~pi disse...

ler o que escreves, vindo de homem-género homem, repito, pode ser um excesso, mas é também suporte de uma intensa e quase divina beleza!!

Anónimo disse...

O amor clandestino é único. por ele minimizamos distâncias. dormimos a desoras. haja o que houver. não há ninguém capaz de arrefecer tanto desejo.
Ele tem vida. tem ontem. tem o até logo. o ano passado. o primeiro beijo. o próximo natal. o teu sorriso. tem um coração. tem o amanhã...
Nâo há chuva. contratempo. solidão. ausência. nem a própria morte pode com semelhante afecto...

"quero-te. tanto"

Lindo... Beijinho