27/10/06

a guerrilheira




na selva urbana. treinou o instinto de guerrilheira. sem armas. nem uniforme. uma guerrilheira à civil. urdindo fogo cruzado. na secreta guarita de sua casa. donde é mais fácil detectar. os passos trapaceiros do prazer cronometrado. sexo alugado em grandes casarões. luz escalavrada num chão de beatas. mesas longas. como bilhares de três tabelas. varões pregados ao tecto. soturna coreografia de seios e ancas. noites engrenadas em apalpões. de consumo obrigatório. ela. a guerrilheira. usava a arma da paixão. e minava o terreno. no subterrâneo das rosas. guardava ainda. as lágrimas. os arrepios. de muitas horas de ternura. e no afia lápis. o pó de carvão. que tombava dos olhos humedecidos. ao respirar o perfume do corpo que julgava apenas seu. mas. na selva urbana. o amor sucumbe. em braços sonãmbulos. suores e requebros. vendidos a retalho. em noites de champanhe. e flores de metal. ela. a guerrilheira. chegou à selva urbana. ainda com o cheiro das terras estrumadas. conhecia a bondade dos pastores. a dedicação. o amor acarinhado no chão da eira. pelas mulheres da aldeia. vestida à camponesa. desfez-se de todas as jóias. viaturas. e iniciou o combate: armadilhar todos os endereços. disparar com palavras de pólvora. era uma questão de vida ou morte. preferia a solidão do cárcere. a paz do cemitério. a viver. das esmolas do amor.



*

(quadro de artur bual)

4 comentários:

Anónimo disse...

Gracias Cariño.
És demasiado real. és la sombra perfecta di mi vida.
Bellisimo. Adorei.
Besito grande.

Anónimo disse...

Guerrilheira da vida, guerrilheira do amor, aprendeu a cantar sentimentos, vindos de dentro, sem artifícios, sem ardilosos jogos de sedução. Poderão, a muitos olhares, as suas palavras, serem projecteis, dardos feitos cúpido mas, não o são. E, os olhos mais atentos sabem disso. Conheci, conheço uma guerrilheira. Aprendeu com o amor, ou com a falta dele, a enfeitar endereços com palavras. As palavras, ensinou-lhas um guerrilheiro, esquivo atirador furtivo, e ela aprendeu. Desde então abraçou a arte, mas o que escreve, como escreve, e onde escreve, só tem um objectivo: chegar ao coração do seu atirador furtivo. Deixar-lhe rastos de mel. Povoar com palavras, aquilo que já não pode, ser povoado com as mãos.

Venho ler-te sempre. Nunca comentei, mas hoje, não resisti a este teu texto. De todos os que me tem tocado, este, será talvez aquele, que mais falou para mim. Ou de mim.

Lorena

Anónimo disse...

Trágico... mas escrito de forma que até parece belo!

Anónimo disse...

Esta guerrilheira, que tao bem descreves é a realidade da vida de uma mulher apaixonada, que chegou de terras distantes á capital de um grande país e teve de lutar pelo amor da sua vida, que a trocou facilmente pelos bracos comprados de uma prostituta.
Desejou muitas vezes a morte.
Esta experiencia marcante e humilhante transformou-a numa guerrilhera urbana que actualmente enfrenta a vida sem medo, sem medo do amor, sem medo da paixao, sem medo do perigo que se enfrenta diárimente.
Fez-se uma autentica mulher de armas, capaz de enfrentar qualquer situacao da vida e da paixao.
Finalmente depois de tanto sofrimento conta com a felicidade, de um verdadeiro amor.

Obgda Alberto, pelo texto, pelo teu carinho e dedicacao.
Beijinho.