05/10/06

morte anunciada




a morte veio. por um rio indolente.
a morte mais cobarde.
o súbito falecimento da alma.
quando o corpo era ainda um manuscrito inacabado.
a cera branca da infância.
prometia ainda muitas merendas.
sobre finas lâminas de erva.
e vitrais de águas doces.
quem encomenda a morte.
por antecipação.
cava o túmulo.
num espelho de fumo.
teme a sombra das palavras.

o ranger de um coração enferrujado.
versos que o poeta gravou
numa lasca de xisto
aos olhos da tribo.

meu amor.
o poema não é um oceano vedado.
o poema é um afluente.
que nasce no rio dos teus olhos
ou no arfar anónimo da multidão.

sim. meu amor. o poeta mente.
porque ignora
o ruído que se levanta
à tona de água.
porque há um coágulo
uma verdade submersa
na engenhosa nascente
da poesia.
neste momento que anuncias
a tua morte
por telegrama.
nada mais posso acrescentar.
os dois braços
que vinham
ao meu encontro.
afastam-se
como os lábios
de um mar esquartejado





(quadro de corinna button)

1 comentário:

Anónimo disse...

A morte nunca pode chegar por anticipado. nao nos pode surpreender. se chega, temos que estar preparados para seguir o caminho...
Sabes quê? Meu amor...
Os bracos que vinham ao teu encontro, estao cada dia mais e mais perto do teu abraco.

Lindo.
Beijinho