20/11/06

anjo camponês




estava a um metro de distância. fixou o olhar. e. com desvelos de engomadeira. passou a ferro o impulso. ele. encerrou a tentação nos joelhos cruzados. estendeu a mão à chuva. disse: agora que as nossas orações. são mais que piedosos juramentos. façamos do palmo de couro que nos separa. um altar pagão. uma divisória de bambú. que caia. um anjo camponês. e. entre nós. apronte uma horta. onde o amor. seja regulado pelo labor das estações. ela. imóvel. apenas concedia ao cabelo. um passeio matinal. pelas sobrancelhas. a chuva. o frio. o silêncio enganchado. em cada frase. pediam que se aproximassem. ele. ainda arriscou. ergueu um braço. os dedos a caminhar. pé. ante pé. só que. havia um juiz na sala. o anjo camponês. que sentenciou: deixem o sangue amainar. e a chuva. amolecer os liquenes. chegará o dia. da bonança. sol cavado. entre a vossa. nudez.


*

(fotografia de luís lobo henriques)