31/08/06

carta de verão




o verão gasta-se meu amor. e ainda não cumprimos o que gizamos na areia. escrevo-te de uma rocha abandonada pelo mar. pedaço inóspito. de conchas engastadas. ou serão lapas? unhas negras ferem a pedra. outrora preenhe de algas. sargaço. a rocha era uma árvore. agora sento-me num talude de relva seca. o pescador olha o oceano. estão a ver lá ao fundo. aqueles carneirinhos brancos a cavalo nas ondas? vem aí nortada. pela certa. o verão gasta-se meu amor. e nós. não tarda. seremos ameias afogadas num castelo sem defesas. na praia. há ainda restos. de muitas pegadas. tantas caminhadas. pequenos lagos que as noites cavaram. abrigos de amantes foragidos. o verão gasta-se meu amor. a nortada levanta ferros. besunta a pele. areia. sal. o lixo dos emigrantes. é tudo pegajoso. erosão. não era bem isso. o que tinhamos planeado. lábios salgados sim. mas de água e suor. e vento leve. uma túnica. tudo começou. lembras-te. naquela tarde. dedos a correr pela areia. em círculos. mapa dos nossos encontros. desenhado no escaldante tapete de areia fina. escreveste um verso de drummond. "o chão é a cama do amor urgente". foi aí. que tudo se revelou. combinamos. fechar as casas. trancar janelas. algemar portas. e fugir. cães vadios em veredas de luar. celebrar o estio em contramão. não voltar à cama. fazer tábua rasa. dos actos repetidos. a xis horas. vestimos o pijama. fazemos amor. amar. amar. sim. mas. em horas irregulares. corpo a corpo. no ultravioleta máximo. erva escrava dos esticões. dos espasmos. bendita fúria. e na barraca listada de azul. à meia note. dentro de ti. cova de areia molhada. a lona estremece. as traves guincham. e tu. uma corrida até ao extremo do pontão. na hora da telenovela. saias levantadas. o vento maritímo. a farejar-te. as coxas. o pescoço. mamilos arrepiados. perna levemente alçada. costas arranhadas. pelo cordame. gritos ecoam no oceano. travar a fundo. na estrada. o caos do trânsito. esfregamo-nos. no capot. até ao verde do semáforo. último estremeção. não finda. desejo castigado. que bom! até novo cruzamento. o verão gasta-se meu amor. e agora? adiamos tudo. para o armazém do inverno?

4 comentários:

Anónimo disse...

Edição de comentários:

Anonymous said...
BERTINHO...TU ES O MAXIMO...

Quarta-feira, Agosto 30, 2006 10:10:38 PM


Anonymous said...
ESSE NOME NAO LHE FICA BEM, PORQUE É UM GRANDE HOMEM EM TODO O SENTIDO DA PALAVRA. PARABÉNS ALBERTO.
É MAGNIFICO O TEU TRABALHO, NAO OLHES PARA TRÁS NEM SEQUER PARA RECORDAR COMO ERA O HORIZONTE. BJS

Quarta-feira, Agosto 30, 2006 11:16:02 PM

kikas disse...

Carta de verâo? o titulo fez-me lembrar dos amores de verão, aqueles que se enterram na areia.
Está muito bonita esta carta, quem a receber so poderá ficar feliz.

Anónimo disse...

Alberto, estou aqui por indicação da querida amiga Alice. As palavras em suas linhas, ganham muitos sentidos e por hora, lhe digo que gostei muitíssimo de seus escritos. Voltarei para visita-lo outras vezes. MontanhosoAbraçoDasMinasgerais.

Anónimo disse...

Alberto, vim aqui por indicação da Alice. Estou encantada com o que encontrei. Li os últimos posts e achei sua poesia lindíssima. Voltarei, seguramente, com mais tempo, para ler os outros posts e conhecer melhor sua literatura. Abraço.