01/09/06

declaro que



eu. abaixo assinado. declaro por minha honra. que o mundo é uma abóboda sintéctica. que há falta de papel e tinta. que as cartas já não cheiram a rosas. como antigamente. que a página em branco passou de moda. que escrever em pulsos de sangue é um acto subversivo. que os envelopes timbrados. por lábios carmesim. foram saqueados dos quiosques. que os correios. proíbem encomendas. com mais de dez gramas. a saudade é muito pesada. dizem eles. as máquinas não se entendem. com rementes esborratados. de lágrimas. que os corações não colam. que a ternura foi banida das praças. que os beijos. são cronometrados. que a palavra amar é a primeira da lista. do corrector. cartas de amor. só por formulários. que o correio azul. não chega. a casas habitadas de nostalgia. que os bilhetes de namorados. são exclusivo dos telemóveis. três gê. que a folha caída de uma macieira. é para reciclar. que o desejo. é uma extravagância. atenção ao défice. que a beleza. só a de pesdestal. autorizada. autenticada a cor de rosa.
por tudo isto. declaro por minha honra. que vou mudar de ares. que vou roubar toda a seiva desperdiçada. toda a tremura ignorada. que vou para a sombra. de um canavial. escrever cartas de amor. ponto final. que aí. é uma carícia vegetal.


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(fotografia de carlos sillero)

7 comentários:

kikas disse...

Nada substitui a tradicional carta e nada nos fará esquecer as que em tempos recebemos, aqueles papeis que nos faziam sonhar e adormecer. Lembro muito bem como eram tratados pequenos pedaços de papel que hoje em dia estão manchados da idade.
Esta declaração aqui descrita deveria ser feita em papel de 25 linhas e autenticado pelo notário.

Anónimo disse...

Além de gostar concondo (excepto com os pontos finais, que se calhar tb são a pontuação destes tempos e eu ainda não aprendi :) ).

Anónimo disse...

ESTA MUITO LINDO O SEU TEXTO. NAO HA EMOÇAO SEMELLHANTE À DE RECEBER DAS MAOS DO CARTEIRO UMA CARTA ESPERADA HÁ TANTOS DIAS, COM O CORAÇAO A BATER EM DESATINO PARA SABER SE O AMOR AINDA ESTÁ QUENTINHO.
TAMBÉM GOSTARIA DE ESPERARAR ESSE CARTEIRO...

Anónimo disse...

Alberto, gosto da sua escrita. Espero que não considere um abuso, mas ia comentar o seu post e depois acabou por nascer um post a partir deste no meu blog. Já agora está convidado a aparecer.

www.pink4.blogspot.com

P.S.: Será isto escrita que dá frutos? Talvez apenas uma carícia vegetal.

Anónimo disse...

Está quase certo amigo... Pois tudo é mutável e inseridos estamos, no todo do contexto e com um controle remoto, desconfigurado; que não obedece aos nossos comandos. Até células, suicidam-se para que apareçam outras novas que terão o mesmo destino (será que isso tem haver com eternidade?). Gosto da forma como expõe seus pensamentos, como também gosto de receber cartas. Até andei há pouco tempo correspondedo-me por carta com uma querida amiga da Bahia. Um dia quem sabe, e-mails serão como essas saudosas cartas. Um dia acho esses tais "piersings" nos lábios, serão captadoes de voz para falarmos cada vez mais velozes uns com os outros. Como ouviremos? Num brinco ou sei lá o quê, pendurado na orelha. O caminho é sem volta, seguimos rumo a um alvo indefinido e que vai sendo "reconfigurado" em conformidade de diversas variáveis. "...Melhor é assimilar a pancada / Virar do avesso todo lamento / pois a cada instante damos adeus / ao que fomos um segundo atrás". MontanhosoAbraçoDasMinasGerais

Anónimo disse...

Não lhe posso mandar uma carta em papel perfumado... Mas, as suas palavras têm cheiro, forma, cor,
agarram-se e não dá vontade de as largar.
Que bom ler os Vinte-Anos.
Parabéns

Anónimo disse...

Lindo. Adorei.

E com tantas mulheres!
Não resisti a vir conhecer este poeta. Posso usar no meu blog um poema teu?

Bjs